20 agosto 2016

A filha de um gângster


Autora: Shoko Tendo
Tradutora: Daniela P. B. Dias
Editora: Editora Escala
Ano: 2010
Páginas: 235
Título Original: Yakuza Moon: memoirs of a gangster's daughter
 (Memórias da filha de um gângster)
Sinopse: Um chocante e comovente relato em primeira pessoa, que conta a experiência de uma mulher criada em meio à yakuza, a temida máfia japonesa. Nascida em uma família de um rico chefe da Yakuza, Shoko Tendo cresceu cercada de luxo, mas o rótulo de "a garota yakuza" fez dela vítima de assédio moral e discriminação por parte de professores e colegas na escola. O pai, bêbado e raivoso, e a família divida por estar atolada em dívidas, fizeram com que Tendo "entrasse" para a "turma errada". Aos quinze anos, ela já fazia parte de uma gangue. Até os dezoito foi viciada em drogas. Aos vinte, colecionava uma série de relacionamentos abusivos e violentos com homens. Após a morte de seus pais e uma tentativa de suicídio, Tendo da uma guinada em sua vida. O momento crucial é a decisão de começar a fazer tatuagens em seu corpo, um ato de tomar posse de si mesma, de seus rumos, de sua história. 
Esta obra é um relato sobre a luta bem-sucedida de uma jovem mulher para escapar do ostracismo e do abuso, e uma rara oportunidade de entrar no hermético mundo da yakuza e, o melhor, a partir de um ponto de vista privilegiado. 

Eu não sou uma pessoa que gosta muito de bibliografias, nem histórias que se assemelham muito a realidade, como contos trágicos da vida, ou das dificuldades alheias. Não tenho fanatismo por histórias mescladas por drogas ou prostituição, mas esse livro... Esse livro eu simplesmente devorei e fiquei muito chateada com o final, motivo pela qual eu realmente tentei entrar em contato com a escritora. É simplesmente fabuloso.
Esse livro é um relato da vida de Shoko Tendo, uma garota simples que sofreu bullying na escola por ter um pai pertencente à Yakuza, que tenho certeza que você sabe o que é. Para quem espera um relato sobre a Yakuza, nem tente ler o livro, uma vez que ele trata sobre a vida dela mesma, de suas rebeldias, a fragilidade e vicio em drogas, bem como os muitos assédios sofridos por homens desse meio. Praticamente, ela descreve o que se tornou, e do quanto se arrepende de muitas coisas durante os 32 anos.
Por ter uma família ligada a Yakuza, a Shoko descreve a ascensão e a queda dos negócios de Hiroyasu, seu pai, bem como suas constantes cenas envolvendo as bebidas no início desse declínio. Ela não demonstra apenas a tristeza daqueles momentos, ela também nos descreve a força que possuía para enfrentar aqueles momentos com a cabeça erguida, dando apoio a irmã mais nova e amedrontada que corria para sua cama em busca de apoio que ela também não tinha.  
Nessa mesma época, Shoko passa a sair com sua irmã, Maki, uma garota yanki, que nada mais é, na tradução literal, uma rebelde “jovem e brava” no Japão. Vale lembrar que nessa época Shoko era ainda uma criança utilizando cores de cabelos vibrantes que intimidavam professores e colegas que um dia haviam discriminado a garota. Fossem apenas as cores de cabelo, tudo bem, mas a pequena Shoko passa a utilizar drogas, nos contando, em poucas páginas, como chegou a se viciar, aos 18 anos em Speed, uma droga injetável que proporciona alucinações.
Após se envolver em uma briga, Shoko acaba indo a um reformatório, se destacando pela forma como consegue organizar suas coisas sem imposição de força das guardas. Essa parte do relato realmente me fez pensar que a Shoko poderia ter uma vida diferente e que aquele cenário não combina com a garota de franjinha educada e sonhadora no início do livro. Assim que sai do reformatório... As coisas apenas pioram com mais uso de drogas.
Gosto desse relato, de verdade. Como eu disse, eu não tenho fascínio por ler as reações que as drogas causam nas pessoas por ser um tema muito debatido e por já ter estudado em longo prazo, e ainda estudar, sobre elas. Ocorre que, durante seu relato, ela é minuciosa a nos expor a forma como compartilhava seringas sem se importar e como dependia da droga, se submetendo a espancamentos de homens grosseiros por mais dela. Ela também deixa claro que sempre quis uma vida diferente e não gostaria de ser conhecida como viciada.
Vale lembrar que a Shoko, com 20 anos, trabalhava como hostess em um bar, e possuía um longo histórico de relacionamentos abusivos, violentos, na qual tudo era perdoado com poucas palavras de carinho, das quais ela nunca esteve acostumada. Essa parte do livro me chocou bastante, porque eu realmente fiquei surpresa como a carência de Shoko é gritante. Os relatos de violência são vividos e ela realmente se submetia a eles. O envolvimento com homens casados é o cenário de todo o livro, sendo ela apenas uma propriedade que era comprada ou alugada por esses homens.
Não bastasse o drama de sua própria vida, Shoko enfrenta a crise dos pais, trabalhando para praticamente sustenta-los, bem como a irmã que acaba se envolvendo com homens péssimos que se envolvem em qualquer espécie de jogatina, desperdiçando dinheiro facilmente e a deixando passar fome.
Shoko enfrenta abortos, abusos sexuais, um mundo de drogas e a mão pesada de homens, se tornando uma libertadora de tudo o que sofreu ao tatuar o próprio corpo. Juro, é chocante, e eu realmente gostei muito desse livro.
“Escrever este livro foi uma maneira de enfrentar os demônios que me assombraram pela vida toda”, revela a autora.
Obviamente, o livro é uma grande forma da Shoko nos mostrar os ciclos viciosos na qual estava presa durante sua vida, se libertando de forma demorada para então assumir as rédeas da própria vida. No meio do livro temos fotos da pequena Shoko com os pais, e da Shoko atualmente com sua pequena filha. Fora isso, ela é uma contradição. 
Venha para o mundo da doce criança Shoko que não colhia as flores do jardim porque imaginava que estas odiassem estar apenas sendo observadas, acaba se tornando o objeto de admiração de homens, se perdendo em uma sociedade crítica, em busca de sua própria realização social e liberdade. Vale ou não vale conferir? Vai por mim, vale!   
 Penso muito na lua. Em como ela segue seu ciclo constante de inchar e minguar, tão parecida com os altos e baixos da minha própria vida. Quando revejo minha trajetória até aqui, imagino que nasci soba a luz da lua nova. E que então, naquele tempo incerto em que vaguei em busca do amor, a lua crescente me iluminava. Quando me casei, provavelmente devia ser o tempo da meia-lua. E agora, sozinha, será que estarei à altura de uma lua cheia? Será que finalmente superei minhas fraquezas e amadureci? Aqui estou, iniciando a sós um novo caminho de vida. E, se no final descobrir que ele era um beco sem saída, acho que poderei voltar e recomeçar com a próxima lua nova. (Pag. 234)

Por Bruna. 

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